Por Ju Menezes

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Será?

Quem gosta de viajar talvez já tenha pensado nisso: as pessoas são como cidades. Quando nos envolvemos com elas, quando passamos a conhecê-las intimamente, é o equivalente a caminhar sem mapa por ruas nas quais nunca pisamos, por bairros que não sabíamos existir. O prazer desse passeio inaugural é irreproduzível. Você poderá voltar às mesmas ruas muitas vezes, deve fazê-lo na verdade, mas nenhum outro momento terá a surpresa daqueles instantes iniciais, quando os nossos olhos são puros e o nosso coração é virgem outra vez. Pode-se amar uma cidade a vida inteira, mas é impossível descobri-la duas vezes. 
A imagem das pessoas como cidades me ocorreu na semana passada, enquanto conversava com um amigo que está redescobrindo o mundo. Falávamos de novos relacionamentos, sobre a luz fresca que eles despejam sobre a nossa vida, de como nos despertam a totalidade dos sentidos. Então surgiu a ideia de que as pessoas são como cidades ensolaradas e coloridas – às vezes sombrias e chuvosas - que vão sendo exploradas à medida que as conhecemos. Ou à medida que consintam em ser devassadas. 
Se eu olhar para o meu passado – e você para o seu – descobriremos ter passado por diferentes geografias humanas. 
Havia um rapaz, que era uma tempestade em movimento. Enquanto estivemos juntos, eu descobria, a cada passo, ruas sombrias que me assustavam, placas com direções contraditórias, terrenos abandonados e hostis. Na cidade que era ele, quanto mais eu andava mais perdida me sentia. Consegui espantar o medo do que via em troca do prazer de estar ali, mas isso não foi suficiente. Antes que eu tivesse tempo de fazer um mapa, de ensaiar a mais elementar das compreensões, ele se foi. Fiquei sem vê-lo,mais ainda o imaginava impenetrável, ainda perturbador.
Com o passar do tempo, eu, que me julgava uma amante da sombra, descobri os prazeres da luz – e o fascínio daquilo que é, ao mesmo tempo, transparente e intraduzível. 
Um homem de imensa delicadeza entrou na minha vida e a encheu de sol. Mais que uma cidade, ele me pareceu um país inteiro. Andei tanto por suas ruas, me perdi tanto descobrindo, que não notei que havia ficado sozinha. Tive de deixar a cidade que eu amava e aquilo foi como um exílio. Passaram-se anos antes que eu encontrasse outra pessoa tão marcante, outra cidade tão nova e diferente da minha, outro lugar de onde não queria me afastar. Explorei essa nova cidade com a urgência de quem nunca vira nada semelhante, arfando e rindo, tomada pela alegria e o colorido do que ia percebendo. Nunca me senti tão acolhido, nunca fui tão feliz. Mais que uma cidade, havia uma festa ao meu redor. Quando, ao final, as luzes se apagaram, eu havia me tornado outra mulher – suavizada pela experiência tranquila de amor, capaz de entender, finalmente, o que me cabe e o que me completa.
Como sabem os amantes das viagens, uma cidade leva a outra. Explorar é explorar-se. Conhecer é conhecer-se. Cada experiência nos prepara para a outra. Cada mudança antecipa a outra que está por vir. Assim, aos trancos, cheguei à cidade onde me encontro. Não a havia antecipado. Quando o vi, me pareceu tão lindo que não me cabia, mas fui ficando, como uma usurpadora ou uma clandestina. Tornou-se o meu lugar. Às vezes descubro uma esquina nova, de vez em quando me perco na beira do Rio, fico. Gosto do que conheço, sinto que há muito mais a descobrir. Percebo, meio encantada, que esta cidade cresce à frente dos meus passos, ao meu redor, comigo. Há nela algo de inesgotável que reage a mim. É a minha cidade. Cuido dela, que me faz feliz. 
Meu amigo me faz notar, porém, que nem todas as pessoas são cidades. Algumas serão vastos continentes gelados. Outras, apenas becos sem saída.
Posto diante dessa imagem poderosa, me pergunto quem sou eu. Um quarteirão deserto e árido? Uma praça com bancos coloridos? Uma cidadezinha preguiçosa plantada num vale? Uma metrópole à beira mar, varrida pelo vento e pela sirene dos navios? Eu não sei. Não sabemos, na verdade. E nem nos cabe dizer. Na verdade, temos de ser descobertos, nomeados e mapeados. É pelo olhar amoroso do outro que nos revelamos. É no olhar do outro que nos re-conhecemos. Como uma cidade. Um país. Um mundo que o outro queira habitar – e transformar em sua casa. 

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

TORNA-TE QUEM VERDADEIRAMENTE TU ÉS



"Alguns não conseguem afrouxar suas próprias cadeias e, não obstante, conseguem libertar seus amigos, Você tem que estar preparado para se queimar na sua própria chama: como se renovar sem antes se tornar cinzas?"


 Assim falou Zaratustra


Começo esse texto citando o meu querido profeta Zaratustra, acho que porque me pareço, me identifico e identifico um amigo, com esse que segundo Nietzsche, era um profeta , repleto de sabedoria, que decidiu iluminar pessoas, mas ninguém compreende suas palavras, pois eles não estão preparados para um profeta que, percebendo ter vindo cedo demais, retorna à sua solidão.
Alguns livros, mesmo verídicos ou baseados em fatos reais, soam impossíveis, parecem falsos e tornam difícil a aceitação de que o que se leu realmente existiu ou é em parte verdade. Seja devido ao exagero do texto, à falta de consistência nos argumentos ou à inabilidade, por parte do autor, na escolha das palavras.
Outras vezes, entretanto, mesmo as mais evidentes ficções convencem, inundam o mundo real de possibilidades fantasiosas e turvam as fronteiras entre o possível e o impossível. Nesses casos, saímos convencidos de que a narrativa é (ou realmente poderia ser) verídica.
Exatamente como ocorre no livro Quando Nietzsche Chorou.
Consigo identificar claramente o meu amigo fonte de toda inspiração para a volta de meus textos no trecho do livro que diz:
'' Nietzsche está doente, muito doente. Ele precisa da sua ajuda... Dores de cabeça. Em primeiro lugar, dores de cabeça lancinantes... E problemas estomacais: às vezes, não consegue comer durante dias. E insônia: nenhum remédio consegue fazê-lo dormir... eu disse que tinha um amigo que está desesperado...não existe remédio para o desespero, médico para a alma... Não há muito que possa fazer, a não ser recomendar uma nova técnica chamada “terapia através da conversa”, uma cura baseada na razão, no deciframento de associações mentais emaranhadas...'' 
Só que muitas vezes essas pessoas não querem ajuda, preferem o isolamento, e por muitas vezes as perdemos, de vista, de laços e ate de vidas... Muito triste fins assim, podem durar um tempo, podem durar anos, como também uma vida toda. 
Não é um mal ser mal entendido, mal é você por causa de sua audácia e coragem, passe a ser tratado como uma ameaça, quando no fundo, você só quis mostrar ao mundo e a alguém específico que você pode ser mais e melhor todos os dias ! 

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Sempre nossas convicções andam juntas com as nossas emoções?
Nem sempre nossas convicções andam juntas com as nossas emoções. É comum que a gente pense uma coisa e sinta outra. Ou defenda em teoria coisas que não conseguimos praticar. O ideal seria que dentro de nós valores e emoções andassem coladinhos, mas nem sempre acontece. Vira e mexe a gente se pega em contradição com a gente mesmo: achando uma coisa e fazendo outra; desejando diferente do que acha bonito.
Outro dia, conversando com uma amiga, ela comentou que aquilo que diz sobre sexo e fidelidade não tem muito a ver com a vida que ela realmente leva. O discurso dela é muito liberal, mas a realidade dela é bem careta. Uma coisa são as convicções dela sobre o que é certo nesse terreno, outra são as atitudes que ela tem vontade de tomar. As duas coisas não batem, e ela se sente uma fraude.
Acho que esse tipo de coisa acontece todo dia, com muita gente. Coerência é uma mercadoria que nem sempre está disponível quando o assunto envolve sentimentos.
No passado, quando a sociedade inteira era mais ou menos moralista, as pessoas faziam sexo por impulso, enganavam seus parceiros e traiam suas mais profundas convicções. Corriam riscos graves e sofriam ao fazê-lo. Agora, quando a maioria tornou-se liberal, muitas pessoas violam suas próprias crenças e levam vidas sexuais e afetivas que seus avós aprovariam. Não é engraçado?
O que há de comum e ingovernável nos dois casos é o desejo. Às vezes queremos transgredir, outras vezes temos necessidade de nos adequar. A beleza do tempo em que vivemos é que ele permite as duas coisas. Todas as coisas, na verdade. A menina que quer namorar meninas e experimentar os prazeres da transgressão, pode. Assim como a garota ou garoto que sonha com o grande amor e o casamento na igreja: também pode.
Além de bonita, essa liberdade é benigna. Pense nos milhões que viviam em sofrimento no passado, quando não se podia fazer nada que o padre não abençoasse. Imagine os milhões que sofreriam agora se todos fossem forçados a agir como “modernos”. Não dá. O espírito humano é avesso a esse tipo de uniformidade. As pessoas são diferentes entre si. Desejam e necessitam coisas diferentes. O papel da sociedade é respeitar - e impedir, vigorosamente, que os desejos sejam satisfeitos por meio de violência física ou qualquer outra espécie de coerção. O resto é interferência indevida.
Mas isso não resolve o desconforto da minha amiga.
Ela tem toda a liberdade do mundo, mas não tem vocação para exercê-la. Acontece com muita gente. O ambiente ao nosso redor ajuda a desenvolver ideias e a moldar nossos valores. Depois espera que atuemos de acordo. Mas, quando se trata de questões íntimas, nem sempre é possível. A pessoa pode ser intelectualmente a favor do sexo livre, da bissexualidade e do poliamor, mas, na hora de transar com alguém que não seja seu parceiro ou parceira, vacila, treme e broxa. Acontece o tempo inteiro. A cabeça está num lugar, o sentimento está em outro. O intelecto é livre, mas a consciência está presa a certas formas de viver. O que se faz? 
Quem sente essa contradição como sofrimento pode buscar ajuda. Analistas são ótimos em identificar a causa das fissuras entre pensamento e sentimento. Um bom profissional pode ajudar a colocar as coisas em sintonia. Mas muitas pessoas não sentem a contradição como um problema. Estão em paz com a colisão de sentimentos e ideias. Sentem-se felizes com aquilo que são e sentem. Não me parece que haja nada de errado nisso. 
Deitados no divã do analista, talvez os comportados confessem fantasias que fariam corar o Marquês de Sade. Mas, e daí? Todos têm fantasias inconfessáveis. Elas não desqualificam ninguém. Hoje em dia podemos sonhar com tudo, até com a possibilidade de sermos caretas. Sem culpa.